A GSMA considera que o modelo de conectividade direta via satélite para dispositivos móveis, conhecido como D2D (direct-to-device), deve ser tratado como serviço complementar, com foco em áreas remotas e casos específicos de uso. Para a entidade, a tecnologia ainda apresenta limitações de capacidade, cobertura e viabilidade regulatória, que impedem seu funcionamento como substituto das redes móveis terrestres.
“A gente vê isso como um serviço suplementar, não como um serviço que compete diretamente com a móvel”, afirmou Luciana Camargos, head de espectro da GSMA, em entrevista ao Tele.Síntese. A associação reúne operadoras móveis de todo o mundo e atua como interlocutora do setor junto a organismos internacionais.
Diferenças entre MSS e IMT
De acordo com Camargos, a conectividade direta entre terminal e satélite pode operar com dois tipos de espectro: o MSS (serviço móvel por satélite), já regulamentado e utilizado por satélites geoestacionários, e o IMT, destinado às redes móveis terrestres. Embora a experiência do usuário possa parecer semelhante, os modelos têm implicações técnicas e regulatórias distintas.
O D2D via MSS está em funcionamento em países como os Estados Unidos, com foco em SMS, SOS e mensagens de emergência, mas com capacidade limitada. Já o D2D via IMT, proposto por empresas com satélites em órbita baixa (LEO), como a Starlink, depende da existência de espectro ocioso e da possibilidade de operar sem interferência entre diferentes blocos licenciados — algo raro no cenário atual.
“Não tem operadora que comprou o espectro, pagou um absurdo, e decidiu não usar”, observou.
Obstruções técnicas e regulação fragmentada
Outro desafio do modelo por IMT é a necessidade de mudar de frequência ao cruzar fronteiras nacionais ou entre áreas de atuação de diferentes operadoras, o que impõe complexidade técnica. Camargos lembra que algumas empresas já buscam adaptar seus planos, inclusive adquirindo espectro MSS para viabilizar as operações.
A executiva citou o caso da Starlink, que comprou faixas MSS nos EUA, e da AST, que firmou acordos similares. “As operadoras estão se remanejando no mercado para um outro modelo”, disse.
No entanto, mesmo com ajustes, o modelo não é global: os blocos de espectro e os planos de atribuição variam entre países, o que inviabiliza uma operação uniforme. “Você vai ter que mudar, resintonizar a frequência em cada país que for operar”, explicou.
Banda larga satelital não é D2D
Camargos destacou que há uma confusão frequente entre o D2D e os serviços de banda larga via satélite em faixas KU e KA. Enquanto o D2D opera com faixas estreitas (em torno de 20 MHz), a banda larga por satélite já conta com GHz de espectro disponível e pode competir com soluções fixas e móveis, inclusive em áreas urbanas.
“A banda larga via satélite evoluiu muito com as redes LEO. Diferente do D2D, que é realmente bem limitado”, afirmou.
Casos de uso restritos e demanda premium
A GSMA considera que o D2D pode ser útil para populações que vivem fora de áreas de cobertura móvel (4% da população mundial) ou para usuários que se deslocam eventualmente para zonas remotas — como navegadores, alpinistas ou trabalhadores em campo.
No entanto, Camargos manifestou ceticismo em relação à viabilidade econômica do serviço como produto de massa. “Eu não vejo o usuário querendo pagar muito mais na conta dele por esse serviço adicional”, disse. Segundo ela, o modelo pode funcionar em pacotes premium e como complemento à conectividade terrestre.
Camargos também afirmou que o D2D não ajuda a enfrentar a principal lacuna global atual, que não é mais de cobertura, e sim de uso. Segundo relatório anual da GSMA, 96% da população mundial vive em área coberta por redes móveis, mas só 58% usam os serviços. O restante, não utiliza por motivos como custo, habilidades digitais ou barreiras sociais.
“O D2D não vai ajudar esse grupo. Então, precisa ser tratado com os governos soluções para que essas pessoas sejam conectadas”, concluiu.