*Por Karim Kramel – A recente promulgação da Lei nº 15.211, de 17 de setembro de 2025, conhecida como Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, representa um marco na legislação brasileira. Juntamente com seu decreto regulamentador, o Decreto nº 12.622/2025, este novo arcabouço legal estabelece um robusto sistema de proteção para o público infanto-juvenil nos ambientes digitais, tendo como sujeitos de obrigações os fornecedores de produtos e serviços de tecnologia da informação.
Embora as empresas de telecomunicações, na sua função principal de prover conexão à internet, não se enquadrem na definição legal de “fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação”, os retro referidos diplomas legais impactam as atividades dessas empresas ao posicioná-las como agentes essenciais na execução de sanções aplicadas aos infratores da norma.
O impacto para o setor de telecomunicações não está nas obrigações de moderação de conteúdo ou design de produtos, mas sim na fase de execução das sanções mais severas previstas na nova legislação. O Art. 35 do ECA Digital estabelece que, enquanto penalidades como advertência e multa são aplicadas pela autoridade administrativa – a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) –, a suspensão temporária e a proibição do exercício das atividades de um serviço infrator são medidas aplicadas exclusivamente pelo Poder Judiciário. É nesse ponto que as empresas de telecom entram em cena. O Decreto n.º 12.622/2025 determina que a efetivação dessas sanções se dará por meio de “ordens judiciais de bloqueio”, a serem executadas pelas “prestadoras de serviços de telecomunicações que proveem conexão à internet”
Mas seria esta uma obrigação inédita para as operadoras? A resposta é não. O arcabouço jurídico brasileiro, especialmente o Marco Civil da Internet, já previa a possibilidade de ordens judiciais para tornar conteúdos ou aplicações indisponíveis. As empresas de telecomunicações, como provedoras de conexão, já possuem rotinas técnicas e jurídicas para atender a determinações de bloqueio em diversos contextos, como em casos de violação de direitos autorais ou durante investigações criminais. A novidade, portanto, não está no ato de bloquear, mas no escopo e na sistematização dessa responsabilidade.
O que muda, então, na rotina das empresas de telecomunicações a partir do ECA Digital? A principal alteração é a criação de um novo e específico gatilho legal para o bloqueio: a violação aos dispositivos do ECA Digital. Isso amplia o leque de situações que podem culminar em uma ordem judicial, aumentando potencialmente a frequência e o volume de solicitações que as operadoras receberão.
Em resumo, o ECA Digital não impõe uma obrigação desconhecida às empresas de telecomunicações, mas refina e expande uma responsabilidade já existente. Ele solidifica o papel dessas empresas como um braço executor indispensável do Judiciário para o novo diploma legal de proteção de menores, exigindo que suas operações estejam preparadas para uma nova demanda, mais específica e potencialmente mais volumosa, de bloqueios de serviços. A colaboração, que antes era pontual, agora se torna parte integrante e sistêmica de uma política pública de proteção, reforçando o papel social dessas companhias na construção de um ambiente digital mais seguro.
* Karim Kramel é consultora em compliance e direito digital, com foco em governança de dados, sócia do Kramel Advogados