O papel da Anatel no ambiente digital

há 2 dias 3
Presidente da Feninfra, Vivien Suruagy. Foto: Divulgação

O governo parece ter, quase sempre,uma predileção especial pelos caminhos mais complicados e custosos aos cofres públicos quando o tema é a regulação do ambiente digital e as novas questões relacionadas à regulação da Internet. Entre o caminho óbvio, que seria fortalecer uma agência já constituída, com mais de 1,5 mil servidores concursados, estrutura em todo o país e respaldo e interlocução internacionais, como é a Anatel, ou optar por começar tudo praticamente do zero, transformando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados em uma agência, o que vai gerar mais custos ao Estado, maior inchaço na máquina pública, tomará tempo e esforços que poderiam ser dedicado a outras tarefas mais urgentes, o governo foi pelo pior caminho.

Foi o que vimos com a sanção do chamado ECA Digital e aprovação da Lei 15.211/2025. Nos debates do Congresso Nacional, o legislador, acertadamente, havia conferido à Anatel o papel de operacionalizar a nova legislação, que tem a importante tarefa de evitar abusos na exposição de crianças e adolescentes na Internet. Mas por questões aparentemente ideológicas, o Executivo resolveu vetar os dispositivos que conferiam à Anatel o protagonismo, e definiu por decreto que isso seria feito pela ANPD.

Tem sido assim em todos os debates. Ainda que a agência de telecomunicações, e o nosso setor, sejam responsáveis em grande parte pelas transformações e revoluções que a vida digital nos apresenta a cada dia, com praticamente a universalização da banda larga fixa e móvel pelo Brasil, existe um receio pueril de fazer o óbvio: dar à Anatel o papel que lhe é natural de regular esse novo mundo digital. Ao fazer isso, o governo só fortalece as big techs, que obviamente não querem ser reguladas e querem o caminho livre para explorar economicamente, mas também cometer todo tipo de abusos, no mundo da Internet.

Nada contra a ANPD. Trata-se de um órgão de Estado importante, criado com a finalidade de proteção de dados do cidadão e que já tem um papel fundamental que se tornará cada vez mais relevante. Mas as estruturas da ANPD e da Anatel são incomparáveis, e para fortalecer a ANPD será necessário gastar recursos que o Estado não tem, o que significa a necessidade de cobrança de mais impostos sobre o setor produtivo e sobre os cidadãos, pressionando ainda mais a nossa já insuportável carga tributária. E ainda precisamos lembrar que a ANPD será, possivelmente, a agência que supervisionará as questões de Inteligência Artificial, caso o debate que tem sido travado no Congresso sobre isso vá adiante como está. É muito trabalho e responsabilidade em um só lugar.

Além disso, serão anos até que a ANPD tenha quadros técnicos capacitados e em quantidade para fazer frente às pressões e batalhões de advogados das big techs. A Anatel realiza concursos públicos desde 2005, e desde então se tornou referência como agência reguladora no Brasil e no exterior, vide o relevante papel que ocupa nos fóruns internacionais, como a UIT, Citel etc. Todas as decisões da Anatel passam por consultas públicas, análises de impacto regulatório e há mecanismos já bastante consolidados de defesa, contraditório, recursos e capacidade de implementação das decisões. É uma agência, portanto, pronta para entrar em ação quando acionada, o que já tem demonstrado nas questões relacionadas a bloqueio de bets clandestinas, conteúdos piratas de TV por assinatura e ordens Judiciais.

Além disso, não faz mais sentido falar em infraestrutura de conectividade sem falar nos novos serviços digitais. Um não existe sem o outro. Por isso também é estranho que o governo insista em tratar pontos de troca de tráfego e gestão de endereços IP como algo que não faz parte do ambiente regulado, mantendo essas tarefas para o Comitê Gestor da Internet, que sequer pode ser entendido como um órgão de Estado, não tem servidores concursados e não foi concebido para realizar tarefas típicas de um regulador.

A Anatel é, hoje, uma agência com forte atuação em defesa dos interesses do consumidor, que pode e deve atuar em benefício dos consumidores dos serviços das big techs. Como disse outro dia o deputado Orlando Silva, insuspeito em sua isenção e imensa capacidade técnica de compreender as transformações do mundo digital, "mudanças ocorreram nesse ambiente comunicacional e é natural que nós façamos uma revisão de competências e atribuições da Anatel, precisamos de uma agência para a convergência digital".

Regular o ambiente digital é urgente e importante, mas precisa ser feito sem paixões ideológicas. É preciso que haja um forte preparo técnico, blindagem de interesses políticos e, sobretudo, racionalidade nos gastos e aproveitamento da máquina pública.

* – Sobre a Autora: Vivien Suruagy é presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra). As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME

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